Tinha este acto abonatório de uma índole generosa vindo a público nas páginas d'«O Primeiro de Janeiro» de 3 de Junho de 1890, pouco tempo, portanto, após a morte do escritor.
"Foi há muitos anos, na Póvoa de Varzim.
Camilo achava-se naquela praia, para onde fora com os filhos, que iam fazer uso dos banhos do mar.
No mesmo hotel em que estava Camilo, achava-se um medíocre pintor espanhol, que perdeu no jogo da roleta o dinheiro que levava.
Havia três semanas que o pintor não pagava a conta do hotel, e a dona, uma tal Ernestina, ex-actriz, pouco satisfeita com o procedimento do hóspede, escolheu um dia a hora do jantar para o despedir, explicando ali, sem nenhum género de reservas, o motivo que a obrigava a proceder assim.
Camilo ouviu o mandado de despejo, brutalmente dirigido ao pintor. Quando a inflexível hospedeira acabou de falar, levantou-se, no meio dos outros hóspedes, e disse: - A D. Ernestina é injusta. Eu trouxe do Porto cem mil réis que me mandaram entregar a esse senhor e ainda não o tinha feito por esquecimento. Desempenho-me agora da minha missão.
E puxando por cem mil réis em notas entregou-as ao pintor.
O espanhol, surpreendido com aquela intervenção que estava longe de esperar, não achou uma palavra para responder. Duas lágrimas, porém, lhe deslizaram silenciosas pela faces, como única demonstração de reconhecimento"
9 comentários:
Não conhecia esse episódio, Cristina. Mas não me surpreende. Os maiores altruísmos (e uma genuína preocupação com os outros), tenho-os visto nas pessoas de pior feitio. :-)
Luísa, por vezes as pessoas surpreendem-nos. Antes de ler este relato de António Cabral, só conhecia o "lado negro" de Camilo.
Também não conhecia o episódio.
Não lhe conhecia esse arroubos beneméritos. Sou um ignorante e tratando-se de Camilo, sempre fui muito comedido em interessar-me em demasia. Enfim, patetices.
Sabendo da sua admiração incondicional por Camilo, por momentos fiquei a pensar se não seria uma manobra sua, simpática e perspicaz, para converter "não fãs de Camilo", como... como algumas pessoas... :)
Mas acho que não, crendo que a história se passou assim mesmo como a conta. :)
Também fiquei a conhecê-lo só agora: não é a imagem mais difundida.
Patetices mesmo, Nuno :)
E eu ia lá tentar convertê-lo, Mike:)); não serão episódios destes que fazem gostar do escritor ou não; agora gostar ou não da pessoa...
Fantástico, Cristina!
Entretanto, comprei hoje umas gotas de Camiliana e aquele livro de Gomes de Amorim em que se fala da visita dos Imperadores do Brasil.
Beijo.
Oh Nuno, então despreza-se assim as Glórias Familiares?
Abraço
Paulo, queremos saber quais foram as outras "gotas" que o deixaram quase na ruína :)
Beijo
Nada disso, Paulo. Deve ser apenas uma mania de não "armar em carapau de corrida". Nada tem em comum com desprezo.
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