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É de todos conhecido o mau feitio de Camilo, mas por muitos ignorada uma outra faceta do seu carácter, trazida até nós pelo camilianista, seu contemporâneo, António Cabral.
Tinha este acto abonatório de uma índole generosa vindo a público nas páginas d'«O Primeiro de Janeiro» de 3 de Junho de 1890, pouco tempo, portanto, após a morte do escritor.
"Foi há muitos anos, na Póvoa de Varzim.
Camilo achava-se naquela praia, para onde fora com os filhos, que iam fazer uso dos banhos do mar.
No mesmo hotel em que estava Camilo, achava-se um medíocre pintor espanhol, que perdeu no jogo da roleta o dinheiro que levava.
Havia três semanas que o pintor não pagava a conta do hotel, e a dona, uma tal Ernestina, ex-actriz, pouco satisfeita com o procedimento do hóspede, escolheu um dia a hora do jantar para o despedir, explicando ali, sem nenhum género de reservas, o motivo que a obrigava a proceder assim.
Camilo ouviu o mandado de despejo, brutalmente dirigido ao pintor. Quando a inflexível hospedeira acabou de falar, levantou-se, no meio dos outros hóspedes, e disse: - A D. Ernestina é injusta. Eu trouxe do Porto cem mil réis que me mandaram entregar a esse senhor e ainda não o tinha feito por esquecimento. Desempenho-me agora da minha missão.
E puxando por cem mil réis em notas entregou-as ao pintor.
O espanhol, surpreendido com aquela intervenção que estava longe de esperar, não achou uma palavra para responder. Duas lágrimas, porém, lhe deslizaram silenciosas pela faces, como única demonstração de reconhecimento"